Estávamos
todos em forma quando surgiu um locutor ao microfone dando ordens de
sentido. Permanecíamos assim por algum tempo, dependendo do instrutor. Esse,
apesar de gritar a ordem, sua voz não possuía tom grosseiro, não era alta
demais, nem irônica. Ele possuía autoridade, mas sem arrogância. Era uma voz
grave e suave ao mesmo tempo, em minha descrição era uma voz de alcova.
Imaginei mil e uma situações ao lado do dono dela. Ela me fazia sonhar. Senti-me
dispersa em meus pensamentos, principalmente porque da posição em que eu
estava, não podia ver quem era aquele homem que emanava poder, sedução, luxúria
através de sua voz. Não podíamos nos mexer ou falar, mas corri o risco e
enquanto ele falava elencando as instruções, eu sussurrei para Júlia indagando
sobre quem era que era o locutor.
─ Júlia,
me diz de onde vem essa voz. Eu não consigo ver.
─ Eu não
sei, Maria. Para de falar, senão seremos punidas.
─ Eu
preciso saber quem está falando.
─ Maria
sua louca, a gente vai ser punida.
E então
o locutor nos trouxe a realidade, mas não sabia de onde vinha o burburinho,
portanto não podia aplicar uma punição.
─ Eu
posso saber o que estão falando de tão importante na tropa que não estão
prestando atenção ao que estou recomendando? Venham falar aqui pertinho de mim.
– Silêncio mortal. Ninguém falava, nem se mexia.
─ Pronto
sua louca, agora que estamos fora de forma, podemos falar.
─ Você
viu quem era?
─ Não
vi.
─ Que
voz linda, suave. Eu preciso saber quem é.
─
Esquece, Maria. Deve ser de algum velho.
─ Tá
louca? A voz não é de velho.
─ Muito
grave, muito mansa. Com certeza, de velho!
─ Para
com isso, Júlia. É linda a voz. Uma voz de alcova.
─ Voz de
que? Pronto! Agora deu! Enlouqueceu essa mulher.
E as
semanas iam passando, muita instrução, acampamentos na selva, muito cansaço,
tínhamos que ter uma resistência física fenomenal, mas aguentávamos firmes. Mas
numa manhã ao toque da alvorada, fomos surpreendias no alojamento por uma major
que mais tarde saberíamos se chamar Jezabel, indagando sobre a tenente Maria Coimbra
ao que me apresentei de imediato.
─
Tenente Maria Coimbra, apresente-se!
─
Tenente Maria Coimbra se apresentando, senhora!
─ Esteja
em minha sala em vinte minutos.
─ Sim,
senhora!
E foi
aquele alvoroço no alojamento. Todas as meninas me perguntando ao mesmo tempo o
que eu havia feito de errado para ser chamada na sala da major Jezabel. Eu
sabia que não havia feito nada, mas sei lá, de repente era algo relativo ao meu
desempenho no curso. Rapidamente me aprontei, tomei banho, escovei os dentes,
vesti o uniforme e me dirigi a sua sala. Chegando lá, ela foi cortês comigo.
Ela tinha a fala mansa, infantil. Sinceramente, pessoas com a voz assim não me
inspiram confiança, mas eu não estava ali para julgar se ela era alguém
confiável ou não, mas para ouvir o que ela tinha a falar.
─ Maria,
querida... – querida? Como assim, querida? Senti um arrepio na pele ao ouvir
aquela mulher falar. Sua voz não me transmitia verdade, sinceridade. Foi então
que mesmo sentada, senti uma tontura terrível naquele momento, como se minhas
energias estivessem sendo sugadas. E quanto mais ela falava, mais sufocada em me
sentia, minhas mãos suavam e tremiam, uma sensação de pânico e perigo se
aproximando de mim, mas eu tinha que ouvi-la até o fim. Ela percebeu que eu não
me sentia bem e demonstrou uma preocupação política apenas.
─ Você
está bem?
─ Estou
bem sim. – menti.
─ Eu
tenho uma notícia séria para dar a você. Seu pai, o General Alberto, sofreu um
acidente leve e está internado no hospital do exército aqui mesmo em Salvador,
mas não se preocupe, ele está fora de perigo. – Nesse momento tive que me concentrar
apenas no que ela dizia.
─ O que?
Meu pai? O que houve com ele?
─ Calma!
Ele vinha dirigindo para Salvador e no caminho sofreu um acidente, mas não foi
nada grave. Ele chegou desacordado no hospital, mas fez todos os exames e já
está bem. O motivo do contato é informar que hoje você está dispensada para ir
ver seu pai no hospital.
Então
para me retirar daquela redoma de energia negativa que sentia ao meu redor,
apressei-me em retirar daquela sala e com a educação que eu havia aprendido e
as regras do quartel, agradeci a informação e pedi-lhe permissão para sair.
─
Concedida.
Então
saí louca dali sem me preocupar com quem estava a minha frente, só pensando na
saúde de meu pai e no acidente que ele sofreu e esbarrei num paredão com tanta
força que por impulso fui empurrada para trás e levada ao chão caindo aos seus
pés.
─ Menina
louca! Não é aqui que você tem que correr.
─
Des...des...culpe-me! Falei gaguejando.
─ Onde
pensa que vai com tanta pressa Tenente?
─
Desculpe-me, Maj... major ...humm – Não conseguia juntar uma palavra sequer.
Era ele. A voz. Era dele aquela voz. Ele é um deus! Que homem! Que pecado! Ele
era simplesmente divino. Muito alto, pelo menos uns vinte centímetros a mais
que eu, e não sou baixa, tenho 1,74cm. Ele era moreno, os cabelos negros e
lisos, a boca carnuda e bem desenhada emoldurava perfeitamente os dentes
brancos, mas possuía olhos tristes. Seus braços eram longos completando com uma
mão grande e forte. Seus músculos foram destacados no momento em que ele
estendeu a mão para me ajudar a levantar. Tocar sua mão naquele momento
simplesmente me deixou em brasa. Senti um choque imediato e acho que ele também
sentiu, pois recolhemos ao mesmo tempo nossas mãos.
─
Leonardo. Major Leonardo. Mas por que a pressa?
─ Eu...
eu... – eu não conseguia pronunciar uma palavra sequer, ainda estava em choque
ao juntar o corpo à voz doce, melodiosa e de alcova que me enchia o pensamento
de ideias pecaminosas.
─ Qual
sua especialidade, Tenente? Não deve ser comunicação social, espero. – O que
estava acontecendo comigo que eu não conseguia proferir palavra nenhuma junto
aquele homem divino. E então ouvi a voz da Major Jezabel atrás de mim se
aproximar e resolver a seu modo aquele impasse.
─ O que
ainda está fazendo aí, Tenente? Está liberada. Bom dia, Leo. Como está meu
querido? Tenho uma novidade para você. Vamos a minha sala.
Então eu
saí dali sem sequer ser notada por ele. Impossível ele me notar de óculos com
uma armação preta que deixava meu semblante pesado, cabelos presos num coque
que mais pareço minha bisavó e ainda chapéu. Duvido que pareço uma mulher que
merece um segundo olhar. Júlia uma vez me perguntou se eu havia encarnado a
versão feminina de Clark Kent. Deus do céu, que homem lindo! A voz combina
exatamente com ele. Eu sou mesmo louca, meu pai no hospital e eu aqui
suspirando pelo Major que sequer me olhou. Ademais, ele deve ser casado e não
pretendo me envolver com homens casados.
Trecho do romance Inferno do Coração - Maria Guedes - Ed. Clube de Autores
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