BECO DA ILUSÃO - MALLEREY CÁLGARA


"Chorei, chorei, até ficar com dó de mim..." -

Chico Buarque - interpretação magnífica de Cauby Peixoto.



Bem, como não estamos falando de Cauby Peixoto, tampouco Chico Buarque, vamos ao que realmente interessa.

Beco da Ilusão - Autora malvada Mallerey Cálgara 

A história é relatada em primeira pessoa, começa em 1931, e narra a trajetória da pequena Yidish, uma garota judia que aos nove anos de idade se vê de mudança com sua família, da cidade de Karnobat, na Bulgária, para Berlim, Alemanha. 

Ao chegar à cidade, foi conquistada pela opulência de um prédio na praça central. Era a Ópera Estatal de Berlim. A foto de uma bailarina em destaque, em um cartaz que anunciava uma apresentação de balé lhe chamou a atenção. Foi ali que os sonhos da menina Yidish nasceram. Apaixonou-se à primeira vista pelo balé e decidiu que se tornaria uma bailarina.

Para a pequena sonhadora, "Berlim agora não era só uma cidade encantadora, mas havia se tornado a melhor cidade do mundo. Ela havia me apresentado o balé."

Por ser próxima à gráfica de seu pai, sempre que podia, aproveitando-se que ele e seu irmão estavam distraídos trabalhando, escapava para o prédio na Opernplatz. 

Foi na Ópera que conheceu seu grande amigo Anton, poucos anos mais velho, tornando-se seu guardião, e também seu primo Erdmann, filho de um soldado da SS. Apesar da pouca idade, ele lhe despertou sentimentos que ela não soube identificar. Sabia apenas que não tinha por ele o mesmo entusiasmo que tinha por Anton. Aliás, foram os dois que ajudaram Yidish concretizar seu grande sonho de ver um espetáculo de balé.

Acontece, porém que Berlim vivia o caos da depressão econômica mundial, o descontentamento do eleitorado alemão, e o inevitável apoio ao Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, abreviado como Nazista, e da ascensão de Hitler como Chanceler, mesmo antes de chegar ao governo.

O tempo passou e com a chegada da guerra, Yidish e sua família foram tragicamente atingidos. A partir daí essa criança se vê obrigada a amadurecer, e a autora conta com riqueza de detalhes todo o percurso que a menina faz nos campos de concentração onde esteve, até os dias atuais.

Todos nós já lemos um livro, vimos ou ouvimos relatos em documentários, reportagens ou filmes sobre o holocausto, pelo menos uma vez na vida. O livro O diário de Anne Frank, filmes como A vida é bela, A lista de Schindler, Bastardos Inglórios, Operação Valquíria, entre outros. As experiências chocantes e cruéis às quais foram submetidos os prisioneiros de guerra, judeus, negros, homossexuais; Os absurdos das leis outorgadas pelo partido nazista, inclusive citadas no livro de Mallerey; Os planos mirabolantes, porém fracassados da resistência para matar Hitler. Enfim, histórias não faltam.


Pois bem, Mallerey Cálgara descreve em Beco da Ilusão, a crueldade do holocausto de maneira notável, não deixando a desejar livro algum que tenha sido escrito antes. Ela criou um romance, onde você torce para que tudo dê certo, embora em circunstâncias totalmente contrárias, e que a cada página lida, te faz sofrer com a personagem principal. A ansiedade e angústia te tomam de um jeito que você não consegue mais parar. Você chega a sentir a dor dela e se coloca no lugar daquela pequena. Você chora, pensa, pergunta e responde igual a ela.  Você se transforma em Yidish. Aconteceu isso comigo. Eu fui Yidish. Eu fui Dalina, Bertha, Sarah. Eu sofri sua dor. 

Você não derrota o inimigo tirando sua coragem. Você o derrota tirando sua esperança. - Adolf Hitler

É verdade. Você tem razão, Hitler. Tire a esperança de alguém e você o derrotará. Não há dúvidas que você era inteligente e um completo ditador louco. Acontece que você não conheceu Yidish. (Risos).

Você quase acabou com ela, mas não conseguiu. Você lhe roubou tudo, sua família, casa, amigos, amor, posses, mas não lhe tirou a esperança.

"Estava vestida aos trapos, o rosto magro e desgastado, nem parecia comigo. "Será que eu estaria ali, em algum lugar debaixo daquela imagem?" - Yidish

"À medida que os meses se transformaram em anos, a centelha da esperança que o meu salvador viria me resgatar foi diminuindo e o seu brilho ofuscado."  Bertha

"Eu deveria estar me perguntando como alguém poderia se acostumar com algo assim, ma a resposta era muito simples; é possível se acostumar com tudo nesta vida, tanto com as coisas boas, quanto com as ruins. As boas, nós tiramos proveito. As ruins, aprendemos e nos adaptamos." Bertha'

Durante a história a pequena Yidish vê coisas que uma criança jamais poderia ou deveria ver. O que acontece a sua volta é simplesmente aterrorizante.  A única ajuda que ela recebe é do pai de Erdmann. E ele tem um motivo para isso.  

Se com 39% do livro lido, Mallerey Cálgara há muito já havia me conquistado e me feito sentir fortes emoções, quando cheguei ao quote abaixo, ela me fez chorar copiosamente. 

"O local à noite tinha vida própria, com seus sons bizarros ecoando por todos os lados, ultrapassando pelas paredes. Sons que pareciam intermináveis, de vômito, tosse, lamentações e murmúrios febris."

Ano passado tive a oportunidade de conhecer Dachau, um dos vários campos de concentração, palco do holocausto. Antes de entrarmos, o guia aconselha aos mais sensíveis, ficarem do lado de fora. Curiosa, não dei ouvidos ao belo David De la Morena e segui o fluxo. Embora seja um lugar aberto às visitações, ainda é possível sentir o peso, a dor, os horrores passados ali. É quase palpável. Juro, senti-me da maneira descrita por Yidish. O silêncio é sombrio. Eu ouvia lamentos, choros, sussurros. Senti o odor da morte. É algo inexplicável.  Senti-me angustiada, passei tão mal que me perdi dentro daquele labirinto de celas e não soube sair sozinha, só com ajuda. 



E me perguntei, como alguém, criatura do mesmo Criador, foi capaz de cometer tantas atrocidades?









As pessoas entram naqueles cubículos quase sem fazer ruídos, ouvem todos os relatos gravados e mantidos em mídia, olham as fotos, uma a uma, sala a sala, num silêncio pavoroso. As fotos que tiramos como turistas não esboçam sorriso algum. A dor atinge todos nós. Acho que é o momento que temos certeza que o que os prisioneiros de guerra, as pessoas que estiveram ali, que tiveram sua esperança tirada, o que elas sofreram é ainda pior que o retratado nos filmes.



Beco da Ilusão é um livro profundo, emocionante, com FINAL FELIZ. Ele te leva a refletir sobre tudo o que fazemos na vida e com nossas vidas. Ele nos leva a julgar a nós mesmos com nossa soberba, nossos orgulhos, preconceitos e ofensas ao próximo. 

Eu tenho um monte de palavras para descrever Beco da Ilusão e ao mesmo tempo elas falham diante de meus pensamentos. Eu só posso dizer que adorei a leitura. Nota 10 com louvor.  Recomendo a todos. 




Onde comprar:

Formato E-book kindle
Número de páginas: 241

Unknown

9 comentários:

  1. Mallerey é maravilhosa, ótima escritora e escreveu um livro emocionante. Gostei da malvada rsrs
    Parabéns pela resenha!!!
    Beijos
    www.conchegodasletras.blogspot.com.br

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    1. Daya, muito obrigada pela visita. E Mallerey é malvada sim, mas eu sou vingativa. Rsrsrsrsrs

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  2. Nos últimos dias ouvi falar tão bem desse livro e autora, que essa resenha só me faz imaginar a intensidade dessa história. Os horrores dessa época devem ser lembrados, assim, quem sabe, possamos refletir sobre tantas injustiças e barbáries que ainda se comete com nossos semelhantes.

    http://atraentemente.blogspot.com.br

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  3. Muito linda e emocionante sua resenha, amei! Obrigada por tudo, pelo carinho, apoio, e por ter dedicado o seu tempo lendo o meu livro! Que Deus lhe abençoe! *-*

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  4. Edna vc disse tudo quando disse rs que falham os pensamentos. Eu percebi lendo outras resenhas que todas não sabiam como expressar os sentimentos vividos durante á leitura.
    Amei a resenha, as fotos, tudo.
    Bjs
    www.mundoliterando.com.br

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  5. Márcia, o que esqueci de dizer é que Beco da Ilusão não é um livro de guerra. Trata-se de um amor romântico que aconteceu durante a crueldade da guerra. E que mesmo diante de tudo o que a pequena Yidish sofreu, nunca perdeu a esperança de reencontrar seu querido. Ela apenas aceitou resignada o que a vida lhe deu. Ah, ainda tem muita coisa para falar.

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